sexta-feira, 13 de junho de 2014

[Resenha] Os Deixados para Trás

Título: Os Deixados para Trás
Autor: Tom Perrota
Edição: 1/2012
Editora: Intrínseca
Páginas: 317

Sinopse: O que aconteceria se, de repente, sem nenhuma explicação, pessoas simplesmente desaparecessem, sumissem no ar? É o que os perplexos moradores de Mapleton, que perderam muitos vizinhos, amigos e companheiros no evento conhecido como Partida Repentina, precisam descobrir. Desde o ocorrido nada mais está do mesmo jeito — nem casamentos, nem amizades, nem mesmo o relacionamento entre pais e filhos. O prefeito da cidade, Kevin Garvey, quer acelerar o processo de cura, trazer um sentimento de esperanças renovadas e propósito para sua comunidade traumatizada. Ainda que sua família tenha sido desfeita com o desastre: sua esposa o deixou para se juntar a um culto cujos membros fazem voto de silêncio; seu filho, Tom, abandonou a faculdade para seguir um profeta duvidoso chamado Santo Wayne; e sua filha adolescente, Jill, não é mais a dócil estudante nota dez que costumava ser. Em meio a tudo isso, Kevin ainda se vê envolvido com Nora Durst, uma mulher que perdeu toda a sua família no 14 de Outubro e continua chocada com a tragédia, apesar de se esforçar para seguir adiante e recomeçar a vida. Com emoção, inteligência e uma rara habilidade para enfatizar os problemas inerentes à vida comum, Tom Perrotta escreve um romance impressionante e provocativo sobre amor, conexão e perda.


Comentários:

Assim que vi Os Deixados para Trás na sessão de lançamentos do Skoob, lá em meados de 2012, fiquei curiosa com o enredo e com vontade de lê-lo. Quando soube que o livro seria adaptado em uma série da HBO intitulada The Leftovers (nome original do livro) com Damon Lindelof na produção, essa curiosidade só aumentou. Faltando poucas semanas para a estreia da série, finalmente consegui ler o livro. Infelizmente, minhas expectativas não foram alcançadas.

Em 14 de Outubro varias pessoas simplesmente desapareceram sem deixar vestígios, como se simplesmente tivessem se desmaterializado. Seria o Arrebatamento previsto pela Bíblia? Não se sabe. A única coisa de que se tem certeza é que o evento, chamado de Partida Repentina, deixou marcas nos que ficaram. Naqueles que queriam uma explicação do porquê seus entes queridos foram levados ou do porquê eles ficaram. Naqueles que queriam algo pra acreditar, ou simplesmente um motivo pra seguir em frente. Ou deveriam querer.

Acompanhamos basicamente os efeitos da Partida Repentina na Família Gavery da cidade de Mapleton, que três anos depois do evento está totalmente dividida. Não perderam nenhum familiar, quem partiu foi a filha de um amiga. Depois dessa amiga se unir a uma ceita chamada Remanescentes Culpados, que tem como marca as vestes brancas e o voto de silêncio, Laurie Gavery a segue. Isso logo depois que Tom, seu filho mais velho, decide abandonar a faculdade pra seguir um homem que todos chamam de Santo Wayne. Kevin e Jill ficaram juntos, mas pai e filha mal se falam. Enquanto Kevin tenta seguir a vida da forma mais normal possível assim como cumprir seus deveres de prefeito, Jill se tornou uma adolescente sem expectativas e melancólica. E ainda temos Nora, uma mulher que perdeu o marido e filhos e tem um breve relacionamento com Kevin.

A premissa é interessante, e a trama realmente cumpre o que traz no título. Focando no sentimentos dos que ficaram, que foram deixados pra trás. Mas o livro não foi bem sucedido nisso e me decepcionou profundamente. Esperava que houvesse uma grande discussão sobre se o que aconteceu foi de fato o Arrebatamento, e isso até acontece no início. Sobretudo porque os levados não eram apenas cristãos ou religiosos. Foram cristãos, judeus, muçulmanos, ateus, homossexuais... Pessoas de todos os tipos. Então achei isso ótimo, pois a Bíblia apenas diz que o Arrebatamento separará “o joio do trigo”. Sim, removeria os crentes da Terra, mas crentes em quê já é outra questão. E seria uma bela cutucada nos fanáticos, pois o que faz uma pessoa boa nada tem a ver com crenças, orientação sexual ou qualquer coisas que muitos fanáticos condenam. Coisa que acredito, inclusive. Mas logo mostrou que os levados não tinham nada de especial, com falhas de caráter tão grandes quanto os que ficaram.

Na contracapa há um comentário do consagrado Stephen King dizendo que se lido como metáfora para o 11 de Setembro e a situação em que os EUA ficou, é um “diagnóstico depressivamente preciso”. Aí eu até concordo, pois durante toda a leitura tive a sensação de que as pessoas tinham morrido em uma grande catástrofe ao invés de evaporado sem explicação aparente. Outra grande falha pra mim. Morte e desaparecimento causam dor, mas são dores diferentes. Morte causa luto, mas você sabe o que aconteceu com a pessoa e dentro de um tempo (que varia pra cada um) pode-se seguir em frente. Mas com um desaparecimento a dor é justamente por não saber o que houve. A ansiedade por um telefonema da polícia dizendo que seu ente foi encontrado, vivo ou morto. Qualquer notícia é melhor que o desconhecimento. Quantas vezes vemos famílias esperando por notícias de filhos que desapareceram há 30 ou 40 anos? Se as pessoas sumissem sem deixar vestígios como no livro então, com a possibilidade remota de aparecerem da mesma forma que sumiram, seria motivo pra deixar muita gente louca. Eu provavelmente ficaria. Isso me incomodou principalmente em Nora, que mais parecia estar em luto por um acidente de carro do que perturbada com o fato da família ter desaparecido durante o jantar.

Além disso, os personagens não me agradaram. Admito, são bem construídos e reais. Mas me irritou em estremo o fato de não questionarem, não querem descobrir o que aconteceu. Se havia uma explicação científica, sobrenatural ou o quê fosse. Teve uma especulação ou outra, mas não passou disso. Então teve aqueles que se conformaram com algo que nem acreditavam e tomaram atitudes inaceitáveis. Como Laurie, que não era religiosa mas aceitou de pronto o “Arrebatamento” e se juntou aos RC em lembrança da filha da amiga abandonando a própria filha que precisava dela. O único personagem de que realmente gostei foi Tom, além de ter uma personalidade simples e cativante foi o único que conseguiu me passar os sentimentos de quem passa por um evento inexplicável. Ainda teve a situação em que percebeu estar depositando sua fé na causa errada, e por ele podemos ter um pouco de noção das consequências no resto do mundo. Já que os demais personagens ficam apenas em Mapleton.

Em termos de narrativa, posso dizer que foi uma boa experiência. Tom Perrota tem uma prosa intimista e fluida, que prende o leitor mesmo nas partes dos personagens mais chatos. A narrativa é feita na terceira pessoa, se revezando no ponto de vista dos personagens principais e expressando nitidamente suas emoções. O livro é dividido em cinco partes, com capítulos variando entre medianos e longos. O espaçamento e diagramação são simples e confortáveis. A Editora Intrínseca, responsável pela publicação no Brasil, traz duas opções de capa. A azul com sapatos femininos da foto acima, que é a que tenho, e a rosa com sapatos masculinos. Comprei a azul porque além de achar mais bonita estava mais em conta, por motivo que desconheço. Enfim, em matéria de edição não tenho do que reclamar.

Mas apesar de ter gostado da narrativa de Perrota, me incomodou a forma como falou de religião. Entendo que ele queira mostrar como a fé pode se transformar em fanatismo facilmente, como a linha que separa as duas coisas pode ser tênue. Mas nenhum personagem (talvez com a exceção de Tom depois da prisão do Santo Wayne) mostrou o que pode ser chamado de fé saudável. Ou são fanáticos ou totalmente céticos. O que me fez sentir falta de uma grande discussão filosófica que o livro poderia ter. Penso se todos os livros do autor tem a mesma abordagem.

Acho que desviei um pouco do que deveria ser a resenha, mas foi a forma que encontrei de explicar porquê o livro me desagradou tanto. Em resumo, o autor acertou em mostrar os sentimentos das pessoas que ficaram mas errou em não fazer com que essas pessoas procurassem por explicações. Discussões cientificas, místicas e filosóficas agregariam muito à trama. E se era pra falar de fé, o verdadeiro crente é aquele que questiona. Se ainda pretendo assistir The Leftovers? Verei o piloto em consideração ao Damon Lindelof, e porque acredito que ele acrescentará na adaptação o que senti falta no original. Pois caso contrário, a série não durará. Mas é esperar até dia 29 pra ver.

5 comentários:

  1. Oi Gabi!
    Não conhecia o livro mas achei a premissa muito interessante. Nossa deve ser muito ruim acontecer uma coisa dessas né? E refletindo nisso que fui entender o tal comentário do Stephen King que você citou, pode ser realmente uma alusão às catástrofes onde morrem muitas pessoas.
    Quero muito ler hahaha
    Adorei a resenha!


    Bjsss
    www.booksever.blogspot.com

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  2. GabrielaCeruttiZimmermann13 de junho de 2014 às 18:39

    Com certeza foi usado como alusão, Filipe. Mas pra mim foi uma metáfora que não funcionou. Não comparo um desaparecimento com morte. Enfim, só espero que a série seja melhor. [rs]


    Abraço!

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  3. Ei Gabi,

    Olha, te compreendo sim. Quando leio um livro nesse estilo, onde um evento misterioso causa impacto em uma determinada população, sei que muitas vezes o objetivo é discutir a relação entre aqueles que sobreviveram, ou nesse caso ficaram para trás, e como eles lidarão com isso, como farão para continuar seguindo em frente. Acho que é mais ou menos o que acontece com The Walking Dead e Under the Dome do King. Mas ainda assim, mesmo prestando atenção em como as pessoas estão lidando com tudo, quero ver a catástrofe sendo discutida. E sempre espero uma boa explicação para o que causou tal evento. Pena que não aconteça isso aqui. Mas assim como você quero ver a série, porque apesar das falhas do livro a premissa é muito boa e claro, sempre existe a esperança de que as eventuais lacunas possam ser preenchidas. Gabi, ótima resenha, colocou e pautou muito bem seus pontos de vista.

    Abraços!!!

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  4. Assisti o piloto da série e vim ler sua resenha porque queria saber se parecia. Acredito que posso ler e não me cativar tanto com o livro. Quando li a sinopse achei que abordaria mais o conceito de arrebatamento.


    Att,
    Carissa
    www.sopaprimordial.com.br

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  5. GabrielaCeruttiZimmermann7 de agosto de 2014 às 18:42

    Pois é, Clarissa, também esperava por isso. Esperava por diversas discussões filosóficas e humanas, mas não foi o que encontrei. Pra ser bem sincera, como crítica social é um ótimo livro. Mas sobre o tema que propõe não. :/


    Abraço!

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