segunda-feira, 25 de maio de 2015

[Mega Resenha] O Cemitério dos Livros Esquecidos


Uma história sobre livros e pessoas.

Um dos muitos escritores com quem estava em dívida era Carlos Ruiz Zafón, e sua tão elogiada trilogia O Cemitério dos Livros Esquecidos era a que mais provocava curiosidade em mim. Adquiri o box da Editora Suma das Letras e, como de costume com séries completas, conferi praticamente um livro atrás do outro. Foi o período de uma leitura poética e profunda em que me emocionei, ri, torci, vibrei e em muitos momentos fiquei apreensiva.

Passeamos pela Barcelona da primeira metade do século XX, onde a guerra espalha o medo e a morte é um fantasma de quem ninguém consegue se esconder. Mas existe um lugar onde as pessoas que valorizam o conhecimento podem ter uma espécie de refúgio, o Cemitério dos Livros Esquecidos. Esse lugar é o esconderijo de todos os livros renegados e esquecidos pela humanidade, guardados por pessoas que queriam salvá-los. Quem o visita pela primeira vez pode resgatar a obra que quiser, e todos os visitantes tem suas vidas drasticamente mudadas.

A trilogia é composta pelos títulos A Sombra do Vento, O Jogo do Anjo e O Prisioneiro do Céu. Tecnicamente, os livros contêm histórias independentes, mas conectadas por alguns arcos e personagens, o que faz com que possam ser conferidos em qualquer ordem como o próprio Zafón diz no prefácio do terceiro livro. Eu os li na ordem de publicação, em que os citei. A impressão que tive é que os dois primeiros podem sim ser alternados, mas o último deve realmente ser lido por último por ser o “menos independente”. Falarei um pouquinho sobre cada um para explicar melhor.

Em A Sombra do Vento conhecemos Daniel Sempere ainda criança e acompanhamos seu crescimento e amadurecimento entre 1945 e 1956. O menino perdeu a mãe ainda muito pequeno e foi criado pelo pai em meio a inúmeros livros na livraria da família, a Sempere & Filhos. Certa madrugada seu pai o leva para conhecer o Cemitério dos Livros Esquecidos, onde Daniel resgata A Sombra do Vento, de Julián Carax, e encontra nele o melhor livro que leria em toda a sua vida. Ele decide ler a obra completa de Carax e acaba por descobrir que todos os exemplares desapareceram, bem como seu autor. Começa uma jornada cheia de obstáculos e suspense que marca a transformação de menino em homem de Daniel onde ele conhecerá o amor, a inveja, o ódio e a amizade.

Com O Jogo do Anjo voltamos um pouco no tempo, entre as décadas de 1920 e 1930, e vemos David Martín. Um homem ferido e desiludido depois de tanto ser magoado profissional e amorosamente. Não conseguiu se tornar o escritor de renome que sonhava, perdeu a mulher que amava para seu mentor e melhor amigo e se vê muito doente. Ele enxerga a possibilidade de mudar tudo isso quando aparece em sua vida um estrangeiro chamado Andreas Corelli, que lhe faz uma proposta de trabalho aparentemente irrecusável. David vê sua saúde melhorar milagrosamente, mas descobre um pouco tarde demais que o trabalho que aceitou tem um preço muito caro. E, assim como o leitor, vê que nem tudo é o que parece ser a primeira vista.

O Prisioneiro do Céu faz as duas tramas anteriores convergirem rumo a solução de alguns mistérios. É 1957, Daniel está casado há um ano e seu amigo Fermín está prestes a se casar também. Tudo está basicamente bem, até que um homem estranho entra na livraria quando Daniel está sozinho e compra um exemplar caríssimo, mas o deixa na loja com uma dedicatória para Fermín, e este não vê outra saída se não contar para o amigo a verdade sobre o tempo em que esteve na prisão de Montejuic. Daniel acaba descobrindo muitas coisas sobre seus pais e que Fermín esteve cuidando dele desde muito antes de conhecê-lo. E ainda há muito o que quer saber.

De todos, A Sombra do Vento foi o que mais me transmitiu a sensação de uma trama independente. Mesmo que lido como livro único ele apresenta uma história ampla e completa, é repleto de reviravoltas e traz um epílogo que mesmo deixando um gostinho de quero mais também serviria perfeitamente como encerramento. Já O Jogo do Anjo, apesar de também apresentar uma história completa, revisita personagens e lugares do livro anterior. David frequentava a Sempere & Filhos quando era comandada pelo avô – que o levou ao Cemitério dos Livros Esquecidos – e pai de Daniel, e conheceu também sua mãe, Isabella. E O Prisioneiro do Céu não só amarra as tramas anteriores como se encaixa entre o último capítulo e o epílogo do primeiro livro. Deixando ainda a impressão de que a história pode ser continuada.

Como esse último livro ainda me deixou com a impressão de que há algo em aberto, até mais que os outros dois, fui pesquisar a respeito. Encontrei um conto chamado Rose of Fire que explica a origem do Cemitério dos Livros Esquecidos, mas não foi traduzido para o português. Mas continuei procurando sobre um possível quarto livro e encontrei menções de que Zafón teria dito em entrevistas que estava trabalhando nele, embora não tenha encontrado as tais entrevistas. Nem informações no site oficial do autor. Todavia, ao acessar a página oficial de O Cemitério dos Livros Esquecidos encontra-se a frase (em tradução livre) por qual porta deseja entrar no Cemitério dos Livros Esquecidos?” e quatro fechaduras ao invés de três. O que faz acreditar nessa possibilidade.


A verdade é que seria muito bom ter mais uma oportunidade de se embrenhar por esse mundo. Não só pela maravilhosa história que é entre muitas coisas uma declaração de amor aos livros, mas por seus personagens bem construídos e críveis. Que mostram o que há de melhor e pior no ser humano. Fermín é de longe meu favorito, ele simplesmente brilha nas páginas e me fez rir muito com seus pensamentos e teorias. Daniel é um personagem delicioso de se ver crescer pois nos faz lembrar dos erros e acertos que nós mesmos cometemos nessa fase. Isabella é uma ótima personagem e é uma pena que só apareça ativamente em um livro. E por aí vai.

A narrativa e a capacidade criativa do autor são outros pontos a se destacar. As obras são narradas em primeira pessoa por seus protagonistas, A Sombra do Vento e O Prisioneiro do Céu por Daniel e O Jogo do Anjo por David. Há ainda flashbacks narrados por outros personagens ou em terceira pessoa. Zafón usa de uma estrutura poética quase lírica, mas ainda assim muito fluida. É fácil e bonito de ler. Mescla com perfeição momentos leves e de suspense, fazendo reviravoltas inimagináveis. Fazendo até de um narrador pouco confiável como David alguém que se quer acompanhar.

O Cemitério dos Livros Esquecidos é daquelas séries em que você acaba gostando mais de um livro que de outros, mas em conjunto se completa de tal forma que não há como dizer que algo foi desnecessário. É uma história rica, metódica, envolvente e que nos faz pensar sobre as pessoas e o mundo que nos rodeia.

2 comentários:

  1. Oi Gabi!

    Que resenha maravilhosa! Acho que é a primeira vez que leio uma resenha que fala da trilogia como um todo e me deixou com uma vontade imensa de reler tudo (embora, confesso, não gosto muito de O Jogo do Anjo).

    Zafón é apaixonante, não é?

    Assim como você, eu também li na ordem de publicação e é o que eu recomendaria para alguém. Mas se fosse fazer uma releitura, acho que faria pela ordem cronológica.

    Quase surtei quando vi a foto do post. Adorei essa possibilidade de que seja lançado um quarto livro. Acho que esse universo do Cemitério dos Livros Esquecidos não nos cansaria nunca, né?



    PS.: Também adoro o Fermín ;)


    Beijos (e que bom que agora você conhece o Zafón!)
    alemdacontracapa.blogspot.com

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  2. GabrielaCeruttiZimmermann29 de maio de 2015 às 18:13

    Obrigada, Mari! Infelizmente não tenho como resenhar cada livro que leio individualmente, mas fico feliz que tenha gostado da resenha sobre toda a trilogia e até ficado com vontade de reler tudo. Também confesso não ter gostado muito de O Jogo do Anjo, mas na história como um todo até que se encaixa bem.


    Zafón é apaixonante demais! Não vejo a hora de conferir outras obras. Mas apesar de já ter Marina irei esperar um pouco porque então só me faltará a Trilogia da Névoa e não quero acabar rápido demais. E também me seguro na esperança do quarto livro do Cemitério dos Livros Esquecidos, esse universo realmente é um desses que sempre pode dar algo novo.


    Como não amar Fermín Romero de Torres? ^^


    Beijos!

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