segunda-feira, 27 de julho de 2015

Heroínas e Príncipes

Edição de imagem: Marina Ribeiro Kodama

Para lutar contra a falta de questionamento.

A idealização desse texto passou por várias mudanças até chegar ao contexto que julgasse ser o ideal para transmitir o que queria. Isso porque trata-se de um assunto em que, ao menos pra mim, uma coisa vai levando a outra. Transformando tudo numa grande bola de neve. Mas tentarei ser objetiva.

Tudo começou há algumas semanas, quando vi em um programa sobre comportamento e estilo de vida, de uma emissora local, uma matéria sobre os conflitos que casais enfrentam na hora de decorar a casa. Essa tal matéria dizia basicamente que a causa dos conflitos era a divergência de gostos. Até aí sem problemas, afinal é impossível que duas pessoas concordem sobre absolutamente tudo. O disparate veio com a afirmação de que os homens preferem algo mais despojado e até temático (uma prancha de surf no canto da sala, pôsters no lugar de quadros...) enquanto as mulheres preferem algo mais tradicional e romântico. Aí eu pergunto: é sério isso?


Imagens: Google
Até admito que tal aspecto pode representar uma maioria, mas afirmar que se trata de uma totalidade é exagero. Quer dizer que uma mulher não pode decorar a casa com itens do seu filme favorito e um homem não pode preferir algo clássico, e caso isso aconteça tratam-se de aberrações? Dois casais foram mostrados como exemplo na (infame) matéria. No primeiro a mulher queria algo contemporâneo, porém comum, e o cara era um roqueiro que queria encher de referências às suas bandas favoritas. No segundo a mulher queria uma decoração romântica e vintage enquanto o cara era um fã nº #1 de Star Wars que queria colocar itens colecionáveis por tudo. Devo dizer (no meu papel feminino, caso importe) que me identifico muito mais com os gostos deles. Enfim, a solução encontrada foi aliar as preferências de cada um. Desse modo, uma pequena representação da banda KISS mostrava a língua ao lado de um vasinho de flores e uma réplica da máscara do Darth Vader repousava imponente ao lado de um adorável bibelô de porquinho.

A mistura até que ficou legal quando visualizada em sua totalidade, embora as mulheres discordassem. Mas essa matéria me lembrou uma propaganda de uma cerveja que fez uma linha de garrafas de alumínio que poderiam ser transformadas em utensílios de decoração há uns dois anos atrás. Essa tal propaganda também insinuava de forma totalmente sexista essa divergência de gostos, mostrando homens horrorizados ao verem as suas namoradas/esposas enchendo a casa com decorações mimosas. Pra quem não viu ou não lembra:




Não gosto de cerveja, então essa certamente é uma decoração que não me atrai. E tampouco colocaria uma almofada de coração com bracinhos no divã, pois as acho ridículas. Mas e daí se um dia quero ter uma casa like a Estação Dharma?

Enfim comecei a questionar (muito mais) de onde vem todo esse pensamento segregacionista sobre as preferências dos gêneros. Não só em relação a decoração, mas vestuário, hábitos e tudo mais. Até com estilos de filmes implicam. Não é difícil ver nas redes sociais publicações no estilo Mulheres X Homens, e provavelmente você já até compartilhou algumas delas. Mas você já se perguntou alguma vez do quanto o gênero realmente tem influência nisso e quanto é imposto pela sociedade e até pela indústria? Isso desde a infância, começando na hora de contar histórias e escolher os brinquedos e brincadeiras. Pense bem, estamos em pleno século XXI e ainda insistem em separar as coisas de menina e coisas de menino. As meninas ouvem histórias de lindas princesas (e crescem achando que contos de fadas são originalmente sobre delicadeza e finais felizes), tem que brincar de casinha e tudo pra elas é rosa. Enquanto os meninos ouvem grandes aventuras, brincam de carrinho e podem ter tudo da cor que quiserem desde que não seja rosa.

Aí você me pergunta: “Mas que diabos uma coisa tem a ver com a outra, Gabriela?” Tudo a ver! Essa separação podia até ser justificável até uns 50 anos atrás, quando pouquíssimas mulheres trabalhavam fora e era dever do homem sustentar o lar. Desse modo, desde pequenas as meninas tinham hobbies que as estimulavam a querer serem exímias donas de casa enquanto os meninos podiam brincar do que bem entendessem pois se tornariam homens que poderiam fazer o que bem entendessem. Mas hoje, quando as mulheres desempenham a função que bem quiserem no mercado de trabalho e o homens partilham as tarefas domésticas, essa imposição para as crianças não se justifica. E elas só questionarão isso se tiverem uma personalidade muito forte, como a menina desse vídeo:



Admiro essa menina! E confesso que queria ter ao menos metade de sua clareza nessa idade, talvez não teria sofrido mais tarde ao ver que todo o esforço pra gostar do que as outras meninas gostavam foi em vão. Ninguém gostou mais de mim por isso. Mas a minha infância terminou há mais de dez anos, e ainda hoje uma criança precisa ter muita personalidade para questionar essas imposições sexistas. Dando mais um exemplo, há um bom tempo atrás conheci uma menininha que na época tinha três anos (eu estava com dezenove). Adoro animações, e naquela ocasião passou a programação de filmes da semana na Sessão da Tarde e o do dia seria Carros. Mencionei que gostava muito daquele filme e perguntei se ela já tinha visto, ao que ela respondeu “mas é desenho de menino”. E contou horrorizada para a mãe dela que eu gostava de um “desenho de menino”. Quem já assistiu o filme sabe que não há nada nele que o torne uma exclusividade de meninos, mas alguma vez você já viu em alguma loja algum produto de Carros destinado às meninas?

E assim é com todo o resto. Super heróis, princesas e etc. Pois embora seja fácil encontrar itens de super-heróis para adultos tanto nos setores masculino quanto femininos, o mesmo não acontece no infantil. Se uma menina quiser uma camiseta dos Vingadores, por exemplo, ou ela fica querendo ou os pais se rendem em comprar no setor masculino mesmo. E até em relação aos filmes mais recentes de princesas que mostram protagonistas nada indefesas e as histórias trazem temas bem abrangentes, a indústria continua fazendo produtos totalmente delicados e exclusivos para meninas. Não digo que um menino usaria uma mochila da Elsa, mas por que não do Olaf?

Voltando a usar minha infância como exemplo, eu não gostava de super-heróis naquela época como gosto hoje, mas tampouco amava princesas. Também só passei a gostar disso recentemente com as novas adaptações. Isso por um fato simples: eu preferia histórias de animais. As histórias com pessoas não me atraíam tanto, pessoas eram chatas. (E talvez já se mostrassem aí os primeiros traços de misantropia.) Até assistia os filmes de princesas, mas mais por causa dos animais que aparecem neles. Digamos que eu gostava mais dos ratinhos da Cinderella que da própria Cinderella. E o fato dos super-heróis não terem animais não ajudava. Brincava de boneca, mais pelo fato de que diziam que menina tinha que que brincar de boneca. Já de chazinho/cozinha gostava mesmo de brincar, embora o que realmente gostasse era dos dálmatas.

Não digo que deva ser feita uma inversão total, apenas que um leque maior de possibilidades seja aberto. Deixemos as meninas serem super-heroínas e os meninos serem príncipes caso queiram, talvez descobrindo por si mesmas o que preferem serão mais competentes na tarefa de tentar fazer do mundo um lugar melhor. Se mulheres dirigem e homens cuidam da casa por quê meninas não podem brincar de carrinho e meninos de casinha? Li um texto escrito por uma mãeamericana que estava preocupada com o fato da filha preferir as ditas“coisas de menino”, até que compreendeu que isso não tinha nada a ver com a percepção que a menina tem de si mesma ou sua sexualidade. O conceito de coisas femininas X coisas masculinas foi criado pelo ser humano, não pela natureza. E se foi criado pelo ser humano então pode ser mudado.

Walter Bishop da série Fringe (um dos meus personagens favoritos) gostava de dizer “abra sua mente ou alguém irá abri-la pra você”. Bem, acho que está mais do que na hora de fazer isso.

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