sexta-feira, 3 de julho de 2015

[Resenha] O Circo Mecânico Tresaulti

Nome: O Circo Mecânico Tresaulti
Autora: Genevieve Valentine
Edição: 1/2013
Editora: DarkSide Books
Páginas: 320

Sinopse: “Respeitável público, sejam bem vindos ao incrível Circo Mecânico Tresaulti, o lugar para quem acredita no mundo mágico que nos rodeia. Permita-me conduzi-lo por uma viagem única através da luz e das sombras onde descobriremos juntos uma nova forma de ver tudo e a todos. Onde não existe limite entre o picadeiro e a plateia, onde tudo é real e o único limite é a nossa vontade de sonhar.”

Em pleno cenário pós-apocalíptico, O Circo Mecânico Tresaulti ergue sua lona e dá início ao grande espetáculo. Ambientado sobre a perigosa superfície de um mundo devastado, cheio de bombas e radiação remanescentes de uma guerra pela qual todos já saíram derrotados, este belo romance nos apresenta uma caravana circense em eterna viagem através de muitas cidades sem país, região ou rota definida. Lugares que podem não mais existir quando o circo retornar. Aqueles que se juntam ao circo procuram segurança, trabalho sem risco de vida ou apenas uma nova forma de recomeçar. E seguir adiante, apesar de tudo.
Através de imagens surpreendentes, a autora nos conduz por um realismo mágico com um toque da beleza steampunk, uma combinação inusitada que cria a atmosfera perfeita para personagens comoventes e de grande força poética.

Comentários:

Admito ter um grande interesse por livros com títulos estranhos. Então logo que vi O Circo Mecânico Tresaulti meu primeiro pensamento foi de que precisava lê-lo. Certo, pode não ser um título tão estrombólico afinal de contas, mas também não é lá muito comum. E a premissa só corroborou minha curiosidade.

A história começa nos apresentando o circo como se fossemos espectadores na primeira noite em que está na cidade. Parece um circo mambembe como qualquer outro, com uma lona comum e uma iluminação precária cheia de gambiarra. Mas é quando os artistas entram no picadeiro que o Circo Mecânico Tresaulti se faz peculiar. Eles possuem engrenagens que os deixam mais fortes, ossos ocos que os tornam leves como o ar. Apenas as dançarinas e os malabaristas são totalmente humanos, mas sua antiga vida como soldados não permite que pareçam comuns. E toda essa trupe é comandada por Boss, a mulher que os transformou e lhes deu uma nova vida.

Aos poucos vamos vislumbrando um pouco desses personagens, quem são e como vieram parar no circo. A maioria eram soldados, que já não aguentavam mais fugir, se esconder ou matar. Alguns se sobressaem como Ayar, o homem forte, e seu amigo Jonah, levado para ganhar um pulmão mecânico que seria sua única forma de sobreviver. Elena, a fria líder das trapezistas. Ying, que apesar de ter entrado ainda menina para o circo também esteve na guerra. Bird, a trapezista que depois de um acidente ganhou um número de dança com Stenos, um ex-ladrão que entrou para a trupe quando Boss o pegou roubando na plateia. Panadrome, o maestro que Boss conheceu nos seus tempos na ópera e foi sua primeira criação. Alec, o antigo homem alado que conhecemos através de lembranças e flashbacks. E Little George, um jovem que vai mostrando aos poucos sua importância.

Também aos poucos vamos conhecendo e entendendo o mundo pelo qual o circo viaja. O cenário pós-apocalíptico gerado por diversas guerras, sendo que as civis provocaram estragos piores que as nucleares. Não existem países ou grandes sistemas políticos em vigor, cada pequena cidade possui seu próprio líder tirano. Os homens do governo (que são chamados apenas assim) são colocados no poder e depostos com a mesma facilidade, de modo que ninguém se preocupa em lembrar seus nomes. Não são dados detalhes sobre os motivos de tantas guerras (na verdade se faz menção de que não importam, são sempre idiotas) ou quanto tempo levou para esse estado de calamidade ser atingido, e isso até provoca certa frustração durante a leitura. Mas você recebe o suficiente para saber porque o circo é tão necessário nesse mundo, para quem assiste e para quem vive nele.

O Circo Mecânico Tresaulti é acima de tudo sobre seus personagens, pessoas marcadas e machucadas pelas guerras e que viram no circo algo de que precisavam. Seja um lar, uma família, segurança ou uma forma de sobreviver. Os transformados não envelhecem ou morrem. Podem ser mortos, mas também podem ser trazidos de volta por Boss. O que ela faz com seus artistas, colocando engrenagens no lugar das articulações, canos de cobre no lugar dos ossos, foles no lugar de pulmões, é o que confere um toque steampunk a essa história com clima um tanto gótico. De início você até pode achar cruel o que ela faz com eles, mas logo entende que é a única forma de fazê-los sobreviver. Apesar de vermos o momento e que Boss cria Panadrome, seu primeiro, não sabemos como descobriu ou desenvolveu esse dom. Apenas que está relacionado a uma tatuagem de grifo em seu braço, nada mais. Não importa.

É dito desde o início que o circo não passa duas vezes no mesmo lugar. Isso porque com tantas guerras uma cidade pode não existir mais quando voltarem, ou ser derrubada logo que a deixarem. E mesmo que visitem uma cidade duas vezes, passasse tanto tempo que nenhum dos espectadores pode estar na plateia pela segunda vez. O que vem a calhar pois é bom que não os reconheçam, principalmente homens do governo. Até que passam por uma cidade onde o Homem do Governo lembra de ter visto o Circo Mecânico Tresaulti quando criança, e Boss vê seu maior medo virar realidade pela segunda vez. Só que agora é sério, graves estragos serão feitos.

Valentine criou um estilo único para seu primeiro romance. Ela optou por intercalar em capítulos curtos a narrativa em primeira pessoa sob a perspectiva de Little George e em terceira pessoa para mostrar os pontos dos diversos personagens. Até aí nada demais, a inovação fica por conta da linguagem. Little George tem uma voz intimista, você sente como se ele estivesse conversando com você. Frases como “eu era jovem”, “eu era burro” e “eu estava lá há seculos” são bastante usadas por ele. A vida do rapaz é o circo e por vezes ele passa mais tempo falando sobre os outros do que sobre si mesmo. Ele acha que só será importante quando, e se, Boss transformá-lo. Mal sabe o que o aguarda. Já os trechos narrados em terceira pessoa parecem ser feitos por um observador que sabe tudo sobre todos. Sabe que o Homem do Governo já teve ideias perversas ao ver o Tresaulti quando criança, porque Bird quer as asas, porque Stenos quer asas, quantos homens cada um já matou. E nos revela o necessário para entendermos suas decisões. Nas duas narrativas, os diálogos sinalizados por aspas ao invés de travessões reforçam a sensação de uma história sendo contada.

Outra peculiaridade da narrativa é uso de expressões como “isso é o que você vê quando está sendo preso”, “isso é o que você sente quando está morrendo”, “isso é o que fulano esqueceu sobre ciclano” entre outras. As palavras seguintes é que farão o leitor perceber sobre quem se trata o capítulo, e de início parece que o estilo atrapalha o envolvimento com os personagens. Mas quando nota que poucas palavras são suficientes para descobrir quem é o personagem da vez, percebe que é justamente o contrário. Essa ferramenta também faz com que mudemos aos poucos a imagem que fazemos de alguns personagens, principalmente porque nossa primeira visão deles é pelos olhos de Little George. Elena é cruel, mas nem percebe que usa esse comportamento para se defender. Stenos e Bird se odeiam porque querem as asas, mas não podem ver um ao outro em sofrimento. E por aí vai. Na verdade, só percebi a empatia que criei com os personagens ao encerrar a leitura. Foi difícil me separar deles.

Impossível deixar de comentar o trabalho feito na edição. Não bastasse ter uma boa diagramação e espaçamento para deixar a leitura mais confortável, a DarkSide Books realmente caprichou. A arte de capa e os detalhes internos são simplesmente maravilhosos. A edição brasileira vem com ilustrações de Wesley Rodriguez, que captou perfeitamente a alma dos personagens e deu um toque todo especial. O livro também vem com um marcador que representa um ingresso do circo, o que foi uma sacada genial.

O Circo Mecânico Tresaulti é daqueles livros que percebi melhor o quanto gostei ao encerrar a leitura e pensar sobre o que li. Suas simbologias e figuras de linguagem fazem o leitor refletir sem nem perceber. Não é como se falasse abertamente sobre transformação, amadurecimento ou política, mas faz pequenas menções e referências que simplesmente fazem o leitor sentir um estalo. Penso que daria uma ótima adaptação nas mãos de Tim Burton ou Guillermo del Toro. E que com certeza quero outras obras de Genevieve Valentine no Brasil.

5 comentários:

  1. Também adoro nomes diferentes, Gabriela! Estava comentando ontem mesmo com uma amiga que livros assim tendem a ter um bom conteúdo, porque a criatividade já começou pelo título, haha. Sobre os livros da Darkside, os preços são pequenas facadas no nosso bolso, mas o cuidado que eles tem com cada livro é tão perceptível que eu considero um dinheiro bem gasto. Eles são extremamente minuciosos e o conteúdo publicado por eles é sempre diferente de tudo que tem por aí. Em relação ao Circo Mecânico Tresaulti, sempre fui muito curiosa, mas desanimei um pouco depois que li O Circo da Noite, que eu não gostei muito.Eu sei que eles não tem nada a ver, além do fato de se tratarem de circos e de haver fantasia envolvida, mas fiquei desestimulada, ainda mais porque não sou muito fã desse gênero, sabe? Ainda assim, pretendo ler um dia, sua resenha está super completa e cheia de detalhes, dá pra pegar a essência do livro! Beijos, Lis.
    umareescrita.com.br

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  2. Oi Gabi, já faz tempo que estou louco para ler este livro e agora fiquei ainda mais ansioso. Sou bem parecido com você em relação aos títulos, essa parada de colocar títulos peculiares chamam muita minha atenção (geralmente títulos muito grandes também hahaha). Em relação a resenha está ótima como sempre, e ainda por cima aprendi duas palavrinhas novas com você kkkkk (mambembe e corroborou), acredita que nunca tinha lido em nenhum outro lugar?



    Abraços!
    www.booksever.com.br

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  3. Olá,
    Eu já tinha visto algo sobre esse livro antes, mas confesso não ter tido interesse porque o gênero simplesmente não me atrai. Mas gosto desses livros que nos fazem refletir de forma sutil. Adorei a resenha.
    Beijos.
    Memórias de Leitura - memorias-de-leitura.blogspot.com

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  4. GabrielaCeruttiZimmermann8 de julho de 2015 às 18:33

    Também gosto de título grandes, Filipe. Talvez porque os títulos grandes e peculiares já comecem mostrando a criatividade do autor, sei lá. [rs] Fico feliz que tenha gostado da resenha e ainda aprendido duas palavras novas, chega a ser uma honra saber disso. :)


    Abraços!

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  5. GabrielaCeruttiZimmermann8 de julho de 2015 às 18:35

    Fico feliz que tenha gostado da resenha, Inês.


    Abraços!

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