A
idealização desse texto passou por várias mudanças até chegar ao
contexto que julgasse ser o ideal para transmitir o que queria. Isso
porque trata-se de um assunto em que, ao menos pra mim, uma coisa vai
levando a outra. Transformando tudo numa grande bola de neve. Mas
tentarei ser objetiva.
Tudo
começou há algumas semanas, quando vi em um programa sobre
comportamento e estilo de vida, de uma emissora local, uma matéria
sobre os conflitos que casais enfrentam na hora de decorar a casa.
Essa tal matéria dizia basicamente que a causa dos conflitos era a
divergência de gostos. Até aí sem problemas, afinal é impossível
que duas pessoas concordem sobre absolutamente tudo. O disparate veio
com a afirmação de que os homens preferem algo mais despojado e até
temático (uma prancha de surf no canto da sala, pôsters no lugar de
quadros...) enquanto as mulheres preferem algo mais tradicional e
romântico. Aí eu pergunto: é sério isso?
Imagens: Google |
Até
admito que tal aspecto pode representar uma maioria, mas afirmar que
se trata de uma totalidade é exagero. Quer dizer que uma mulher não
pode decorar a casa com itens do seu filme favorito e um homem não
pode preferir algo clássico, e caso isso aconteça tratam-se de
aberrações? Dois casais foram mostrados como exemplo na (infame)
matéria. No primeiro a mulher queria algo contemporâneo, porém
comum, e o cara era um roqueiro que queria encher de referências às
suas bandas favoritas. No segundo a mulher queria uma decoração
romântica e vintage enquanto o cara era um fã nº #1 de Star
Wars
que
queria colocar itens colecionáveis por tudo. Devo dizer (no meu
papel feminino, caso
importe)
que me identifico muito mais com os gostos deles. Enfim, a solução
encontrada foi aliar as preferências de cada um. Desse modo, uma
pequena representação da banda KISS
mostrava
a língua ao lado de um vasinho de flores e uma réplica da máscara
do Darth Vader repousava imponente ao lado de um adorável bibelô de
porquinho.
A
mistura até que ficou legal quando visualizada em sua totalidade,
embora as mulheres discordassem. Mas essa matéria me lembrou uma
propaganda de uma cerveja que fez uma linha de garrafas de alumínio
que poderiam ser transformadas em utensílios de decoração há uns
dois anos atrás. Essa tal propaganda também insinuava de forma
totalmente sexista essa divergência de gostos, mostrando homens
horrorizados ao verem as suas namoradas/esposas enchendo a casa com
decorações mimosas. Pra quem não viu ou não lembra:
Não
gosto de cerveja, então essa certamente é uma decoração que não
me atrai. E tampouco colocaria uma almofada de coração com
bracinhos no divã, pois as acho ridículas. Mas e daí se um dia
quero ter uma casa like
a
Estação
Dharma?
Enfim
comecei a questionar (muito mais) de onde vem todo esse pensamento
segregacionista sobre as preferências dos gêneros. Não só em
relação a decoração, mas vestuário, hábitos e tudo mais. Até
com estilos de filmes implicam. Não é difícil ver nas redes
sociais publicações no estilo Mulheres
X Homens,
e provavelmente você já até compartilhou algumas delas. Mas você
já se perguntou alguma vez do quanto o gênero realmente tem
influência nisso e quanto é imposto pela sociedade e até pela
indústria? Isso desde a infância, começando na hora de contar
histórias e escolher os brinquedos e brincadeiras. Pense bem,
estamos em pleno século XXI e ainda insistem em separar as coisas de
menina e coisas de menino. As meninas ouvem histórias de lindas
princesas (e crescem achando que contos de fadas são originalmente
sobre delicadeza e finais felizes), tem que brincar de casinha e tudo
pra elas é rosa. Enquanto os meninos ouvem grandes aventuras,
brincam de carrinho e podem ter tudo da cor que quiserem desde que
não seja rosa.
Aí
você me pergunta: “Mas
que diabos uma coisa tem a ver com a outra, Gabriela?”
Tudo
a ver! Essa separação podia até ser justificável até uns 50 anos
atrás, quando pouquíssimas mulheres trabalhavam fora e era dever do
homem sustentar o lar. Desse modo, desde pequenas as meninas tinham
hobbies que as estimulavam a querer serem exímias donas de casa
enquanto os meninos podiam brincar do que bem entendessem pois se
tornariam homens que poderiam fazer o que bem entendessem. Mas hoje,
quando as mulheres desempenham a função que bem quiserem no mercado
de trabalho e o homens partilham as tarefas domésticas, essa
imposição para as crianças não se justifica. E elas só
questionarão isso se tiverem uma personalidade muito forte, como a
menina desse vídeo:
Admiro
essa menina! E confesso que queria ter ao menos metade de sua clareza
nessa idade, talvez não teria sofrido mais tarde ao ver que todo o
esforço pra gostar do que as outras meninas gostavam foi em vão.
Ninguém gostou mais de mim por isso. Mas a minha infância terminou
há mais de dez anos, e ainda hoje uma criança precisa ter muita
personalidade para questionar essas imposições sexistas. Dando mais
um exemplo, há um bom tempo atrás conheci uma menininha que na
época tinha três anos (eu estava com dezenove). Adoro animações,
e naquela ocasião passou a programação de filmes da semana na
Sessão
da Tarde
e
o do dia seria Carros.
Mencionei que gostava muito daquele filme e perguntei se ela já
tinha visto, ao que ela respondeu “mas
é desenho de menino”.
E contou horrorizada para a mãe dela que eu gostava de um “desenho
de menino”. Quem já assistiu o filme sabe que não há nada nele
que o torne uma exclusividade de meninos, mas alguma vez você já
viu em alguma loja algum produto de Carros
destinado
às meninas?
E
assim é com todo o resto. Super heróis, princesas e etc. Pois
embora seja fácil encontrar itens de super-heróis para adultos
tanto nos setores masculino quanto femininos, o mesmo não acontece
no infantil. Se uma menina quiser uma camiseta dos Vingadores,
por exemplo, ou ela fica querendo ou os pais se rendem em comprar no
setor masculino mesmo. E até em relação aos filmes mais recentes
de princesas que mostram protagonistas nada indefesas e as histórias
trazem temas bem abrangentes, a indústria continua fazendo produtos
totalmente delicados e exclusivos para meninas. Não digo que um
menino usaria uma mochila da Elsa, mas por que não do Olaf?
Voltando
a usar minha infância como exemplo, eu não gostava de super-heróis
naquela época como gosto hoje, mas tampouco amava princesas. Também
só passei a gostar disso recentemente com as novas adaptações.
Isso por um fato simples: eu preferia histórias de animais. As
histórias com pessoas não me atraíam tanto, pessoas eram chatas.
(E talvez já se mostrassem aí os primeiros traços de
misantropia.) Até assistia os filmes de princesas, mas mais
por causa dos animais que aparecem neles. Digamos que eu gostava mais
dos ratinhos da Cinderella que da própria Cinderella. E o fato dos
super-heróis não terem animais não ajudava. Brincava de boneca,
mais pelo fato de que diziam que menina tinha que que brincar de
boneca. Já de chazinho/cozinha gostava mesmo de brincar, embora o
que realmente gostasse era dos dálmatas.
Não
digo que deva ser feita uma inversão total, apenas que um leque
maior de possibilidades seja aberto. Deixemos as meninas serem
super-heroínas e os meninos serem príncipes caso queiram, talvez
descobrindo por si mesmas o que preferem serão mais competentes na
tarefa de tentar fazer do mundo um lugar melhor. Se mulheres dirigem
e homens cuidam da casa por quê meninas não podem brincar de
carrinho e meninos de casinha? Li um texto escrito por uma mãeamericana que estava preocupada com o fato da filha preferir as ditas“coisas de menino”,
até que compreendeu que isso não tinha nada a ver com a percepção
que a menina tem de si mesma ou sua sexualidade. O conceito de coisas
femininas X coisas masculinas
foi
criado pelo ser humano, não pela natureza. E se foi criado pelo ser
humano então pode ser mudado.
Walter
Bishop da série Fringe
(um
dos meus personagens favoritos) gostava de dizer “abra
sua mente ou alguém irá abri-la pra você”.
Bem, acho que está mais do que na hora de fazer isso.
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