domingo, 30 de agosto de 2015

[Maratona de Vícios #18]: Battlestar Galactica


Sobreviventes em busca de um lar.

Quando comecei essa rotina de acompanhar páginas e grupos de séries (leia-se de Lost) lá em 2007-2008 via muita gente falando de Battlestar Galactica. Porque Battlestar Galactica isso, Battlestar Galactica aquilo e até comentários sobre como um mesmo assunto era abordado nesta e em Lost. E desde aquela época queria conferir a série, mas com empecilhos que iam de uma internet ruim a uma TV a cabo ainda pior precisei deixar pra depois. Quando conheci o trabalho da atriz Grace Park na série Hawaii Five-0 em 2010 a vontade de conferir aumentou, mas aí faltava tempo. Eis que não me faltou mais nada e finalmente pude ver essa série maravilhosa.

A série é na verdade um remake da produção homônima de 1978 criada por Glen A. Larson e transmitida pela ABC. Quando surgiu a ideia de trazê-la de volta a TV pelo canal Sci Fi (hoje Scy Fy) seria como uma continuação, uma minissérie que se passaria cerca de 40 anos após a trama original. Todavia, os responsáveis por esse retorno perceberam que a história tinha potencial para ser contada novamente com uma nova abordagem. Trazendo novos aspectos e percepções. E talvez tenha sido a decisão mais correta. Assim a minissérie serviu como uma espécie de piloto para a série que ficou no ar pelos seis anos seguintes.

A trama de Battlestar Galactica parte do princípio que os humanos criaram os cylons, robôs altamente eficientes e com desenvolvida inteligência para auxiliar nas tarefas mais diversas. Eis que os Cylons se rebelaram após anos de exploração gerando uma guerra civil, e depois de quarenta anos de armistício eles voltaram a atacar. Dessa vez com bombardeios nucleares às doze colônias humanas, exterminando quase que por completo seus criadores.



Os sobreviventes que por qualquer que seja o motivo conseguiram escapar se juntaram a Battlestar Galactica, nave de combate que seria aposentada no dia do ataque mas acabou sendo a única que não foi destruída. E junto com setenta e cinco naves civis formam uma frota com pouco mais de quarenta mil pessoas cujo a única perspectiva de sobrevivência a longo prazo é encontrar a Terra, esta que segundo as escrituras sagradas seria a 13ª colônia. Isso se conseguirem sobrevier aos Cylons, que se aprimoraram e agora estão muito mais perigosos por parecerem humanos e agirem como tal. E se morrerem, podem ser ressuscitados. Mas esse é só o início.

Assim se desenrola uma história que acima de tudo trata de sobrevivência e o conceito de ser humano. A mitologia é rica, maravilhosa, não dá pra negar. Inclusive é bom notar a forma como referências a diversas mitologias (principalmente a grega) são inseridas a trama. Mas o que a torna tão verossímil são os conflitos e dilemas que se apresentam diante de tal situação, sejam políticos, religiosos, sociais e até familiares. O fato é que por ter um enredo tão rico e intricado Battlestar Galactica se transpôs ao gênero de ficção científica, tornando-se um drama humano.

O desenvolvimento de trama e personagens vem sempre acompanhado de boas reflexões, sendo muito fácil associar o que se vê ao mundo que vivemos. Questões de preconceito se fazem presentes das mais diversas formas (mais sobre isso abaixo), mas o que se torna notável mesmo são as discussões religiosas e políticas. A começar pelo fato de que os humanos são politeístas enquanto os Cylons são monoteístas, levando-os a acusarem uns aos outros de seguirem falsos deuses (ou um único falso Deus, no segundo caso). E as lutas por poder e domínio não tem precedentes, não só pelos conflitos que volta e meia aparecem entre os militares e governo mas também com revolucionários. Mostrando ainda como situações extremas podem levar um líder eleito a tomar decisões nada populares, apresentando a tênue linha entre democracia e totalitarismo. Pode ser incrivelmente fácil se tornar um tirano.



Para assuntos mais próximos ao povo são tratadas discussões trabalhistas e sociais, trazendo junto com elas as questões de preconceito. Por exemplo, enquanto Caprica era a colônia conhecida pelos avanços científicos e tecnológicos, Tauron era meio que a colônia rural responsável por produzir quase todo o alimento das doze colônias. Mas e se um jovem de Tauron mostrasse grandes aptidões científicas? E faria sentido continuar fazendo essas distinções uma vez que as colônias já não existem mais? Teriam os militares direito a mais suprimentos e regalias por conta de seus cargos, sendo que sem o trabalhador comum a frota inteira morreria? Esses são só alguns pontos de tudo que foi discutido.

Outra questão interessante é como o conflito entre humanos e Cylons pode ser usado como alusão para tantas grandes guerras registradas em nossa História. É só lembrar quantas delas foram travadas envolvendo tensões religiosas, povos oprimidos ou até mesmo escravizados e disputas territoriais. Pra quem não assistiu a série (e tampouco é familiarizado com o gênero) pode parecer estranho que todas essas questões sejam debatidas quando um dos lados é formado por robôs, mas aí vem a questão “o que é de fato ser humano?” É ter ossos, pele, transmissores neurais e sangue correndo nas veias? Ou sua luta por sobrevivência, seus dilemas morais e ainda a consciência de que o mundo que o cerca é maior que o indivíduo? Bom, basta dizer que os Cylons se parecem com humanos tanto por fora quanto por dentro.



Vale lembrar que nenhum dos lados se vale de herói ou vilão, humanos e Cylons são capazes das mais perversas atrocidades e mais notáveis demostrações de compaixão. Sim, os Cylons fizeram o ataque nuclear e quiseram destruir por completo seus criadores. E partindo daí muitos podem dizer que os humanos tem motivos suficientes para exterminar os Cylons sem dó nem piedade, e não é por falta de tentativa que não o fazem. Mas os humanos fazem coisas de moral tão questionável quanto entre si mesmos. Enfim, esse assunto poderia ser esmiuçado a ponto de poder se escrever um livro e talvez alguém até o tenha feito. Por ora é suficiente dizer que nada é simples como parece a um primeiro olhar. E acrescento que se você quer descobrir se alguém é um ditador em potencial, coloque-o para assistir Battlestar Galactica. Assista e entenda.

Até agora só falei da trama, mas a verdade é que Battlestar Galactica é uma daquelas histórias sobre pessoas. São seus personagens que a fazem tomar forma. Dito isso, parece contraditório não falar sobre eles de forma específica e até pensei em diversas formas de como fazê-lo. Mas acho que vou seguir meu exemplo no texto sobre Lost, pois estes personagens também são do tipo que você deve conhecer por si mesmo e tirar suas conclusões por conta própria. E outra que é difícil falar deles sem dar spoilers. Apenas menciono que o elenco é magnífico na tarefa de dar vida a eles.

Indo para um lado mais técnico, é impossível deixar de mencionar os efeitos visuais e a trilha sonora. É impressionante a qualidade dos efeitos, ainda mais se levar consideração o fato de ser algo feito para a TV há mais de dez anos. Chega a ser melhor do que muita coisa que se vê hoje em dia. Já a trilha sonora composta por Bear McCreary vai além de qualquer coisa que possa ser expressa em palavras. A mistura de instrumentos e ritmos (clássicos, étnicos, populares...) é algo que beira o divino. O som de percussão durante as batalhas faz o coração acelerar, o tema da Número Seis faz ansiar pelas tensões que virão e o tema de abertura é quase uma demostração sonora do que é a série. Sem falar do tema dos Cylons, que dispensa explicações.



Essa versão de Battlestar Galactica foi criada por Ronald D. Moore e produzida por David Eick. Como mencionado anteriormente, começou com uma minissérie de dois episódios exibidos em 08 e 09 de Dezembro de 2003. A série em si teve 73 episódios divididos em 4 temporadas exibidos entre 18 de Outubro de 2004 e 20 de Março de 2009. Sendo uma das séries que iniciou a conexão entre TV e internet, houve três web-séries com os subtítulos The Resistance, Razor: Flashback e The Face of the Enemy. Incluem-se ainda dois filmes, Battlestar Galactica: Razor que serve como premiere da 4ª temporada e Battlestar Galactica: The Plan para ser visto ao fim da série. Em 2010 o Scy Fy fez o spin-off Caprica, um prequel mostrando o surgimento dos Cylons e o início dos conflitos 58 anos antes. Mas não teve uma aceitação tão boa e foi cancelada ainda na 1ª temporada com apenas 18 episódios exibidos. E em 2012 tentaram produzir a série Battlestar Galactica: Blood & Chrome, um prequel que mostraria o jovem Bill Adama iniciando sua carreira de piloto. Mas nenhuma emissora quis investir no projeto, de forma que apenas o piloto foi disponibilizado como uma web-série de 10 episódios e está disponível no Netflix como uma minissérie de episódio único.

Sei que o final gerou muita polêmica entre os fãs, como tem sido de praxe nos últimos anos com grandes séries e seus fins. Particularmente acho que Battlestar Galactica teve um final condizente com tudo que foi apresentado. Confesso que alguns personagens não tiveram o desfecho que eu esperava, mas penso que a visão geral deve prevalecer. Suas últimas grandes reflexões foram mais que válidas, e me obrigo a dizer que me fizeram lembrar de Lost por “n” motivos. Enfim, mais uma série que me marcou, espero poder ver de novo algumas vezes e recomendo.

So say we all!

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