Sobreviventes
em busca de um lar.
Quando
comecei essa rotina de acompanhar páginas e grupos de séries
(leia-se de Lost) lá em
2007-2008 via muita gente falando de Battlestar Galactica.
Porque Battlestar Galactica isso, Battlestar
Galactica aquilo
e até comentários sobre como um mesmo assunto era abordado nesta e
em Lost. E desde aquela época queria conferir a série, mas
com empecilhos que iam de uma internet ruim a uma TV a cabo ainda
pior precisei deixar pra depois. Quando conheci o trabalho da atriz
Grace Park na série Hawaii Five-0 em 2010 a vontade de
conferir aumentou, mas aí faltava tempo. Eis que não me faltou mais
nada e finalmente pude ver essa série maravilhosa.
A série
é na verdade um remake da produção homônima de 1978 criada por
Glen A. Larson e transmitida pela ABC.
Quando surgiu a ideia de trazê-la de volta a TV pelo canal Sci Fi
(hoje Scy Fy) seria como uma continuação, uma minissérie
que se passaria cerca de 40 anos após a trama original. Todavia, os
responsáveis por esse retorno perceberam que a história tinha
potencial para ser contada novamente com uma nova abordagem. Trazendo
novos aspectos e percepções. E talvez tenha sido a decisão mais
correta. Assim a minissérie serviu como uma espécie de piloto para
a série que ficou no ar pelos seis anos seguintes.
A trama
de Battlestar Galactica parte do princípio que os humanos
criaram os cylons, robôs altamente eficientes e com desenvolvida
inteligência para auxiliar nas tarefas mais diversas. Eis que os
Cylons se rebelaram após anos de exploração gerando uma guerra
civil, e depois de quarenta anos de armistício eles voltaram a
atacar. Dessa vez com bombardeios nucleares às doze colônias
humanas, exterminando quase que por completo seus criadores.
Os
sobreviventes que por qualquer que seja o motivo conseguiram escapar
se juntaram a Battlestar Galactica, nave de combate que seria
aposentada no dia do ataque mas acabou sendo a única que não foi
destruída. E junto com setenta e cinco naves civis formam uma frota
com pouco mais de quarenta mil pessoas cujo a única perspectiva de
sobrevivência a longo prazo é encontrar a Terra, esta que segundo
as escrituras sagradas seria a 13ª colônia. Isso se conseguirem
sobrevier aos Cylons, que se aprimoraram e agora estão muito mais
perigosos por parecerem humanos e agirem como tal. E se morrerem,
podem ser ressuscitados. Mas esse é só o início.
Assim se
desenrola uma história que acima de tudo trata de sobrevivência e o
conceito de ser humano. A mitologia é rica, maravilhosa, não dá
pra negar. Inclusive é bom notar a forma como referências a
diversas mitologias (principalmente a grega) são inseridas a trama.
Mas o que a torna tão verossímil são os conflitos e dilemas que se
apresentam diante de tal situação, sejam políticos, religiosos,
sociais e até familiares. O fato é que por ter um enredo tão rico
e intricado Battlestar Galactica se transpôs ao gênero de
ficção científica, tornando-se um drama humano.
O
desenvolvimento de trama e personagens vem sempre acompanhado de boas
reflexões, sendo muito fácil associar o que se vê ao mundo que
vivemos. Questões de preconceito se fazem presentes das mais
diversas formas (mais sobre isso abaixo), mas o que se torna notável
mesmo são as discussões religiosas e políticas. A começar pelo
fato de que os humanos são politeístas enquanto os Cylons são
monoteístas, levando-os a acusarem uns aos outros de seguirem falsos
deuses (ou um único falso Deus, no segundo caso). E as lutas por
poder e domínio não tem precedentes, não só pelos conflitos que
volta e meia aparecem entre os militares e governo mas também com
revolucionários. Mostrando ainda como situações extremas podem
levar um líder eleito a tomar decisões nada populares, apresentando
a tênue linha entre democracia e totalitarismo. Pode ser
incrivelmente fácil se tornar um tirano.
Para
assuntos mais próximos ao povo são tratadas discussões
trabalhistas e sociais, trazendo junto com elas as questões de
preconceito. Por exemplo, enquanto Caprica era a colônia conhecida
pelos avanços científicos e tecnológicos, Tauron era meio que a
colônia rural responsável por produzir quase todo o alimento das
doze colônias. Mas e se um jovem de Tauron mostrasse grandes
aptidões científicas? E faria sentido continuar fazendo essas
distinções uma vez que as colônias já não existem mais? Teriam
os militares direito a mais suprimentos e regalias por conta de seus
cargos, sendo que sem o trabalhador comum a frota inteira morreria?
Esses são só alguns pontos de tudo que foi discutido.
Outra
questão interessante é como o conflito entre humanos e Cylons pode
ser usado como alusão para tantas grandes guerras registradas em
nossa História. É só lembrar quantas delas foram travadas
envolvendo tensões religiosas, povos oprimidos ou até mesmo
escravizados e disputas territoriais. Pra quem não assistiu a série
(e tampouco é familiarizado com o gênero) pode parecer estranho que
todas essas questões sejam debatidas quando um dos lados é formado
por robôs, mas aí vem a questão “o que é de fato ser
humano?” É ter ossos, pele, transmissores neurais e sangue
correndo nas veias? Ou sua luta por sobrevivência, seus dilemas
morais e ainda a consciência de que o mundo que o cerca é maior que
o indivíduo? Bom, basta dizer que os Cylons se parecem com humanos
tanto por fora quanto por dentro.
Vale
lembrar que nenhum dos lados se vale de herói ou vilão, humanos e
Cylons são capazes das mais perversas atrocidades e mais notáveis
demostrações de compaixão. Sim, os Cylons fizeram o ataque nuclear
e quiseram destruir por completo seus criadores. E partindo daí
muitos podem dizer que os humanos tem motivos suficientes para
exterminar os Cylons sem dó nem piedade, e não é por falta de
tentativa que não o fazem. Mas os humanos fazem coisas de moral tão
questionável quanto entre si mesmos. Enfim, esse assunto poderia ser
esmiuçado a ponto de poder se escrever um livro e talvez alguém até
o tenha feito. Por ora é suficiente dizer que nada é simples como
parece a um primeiro olhar. E acrescento que se você quer descobrir
se alguém é um ditador em potencial, coloque-o para assistir
Battlestar Galactica. Assista e entenda.
Até
agora só falei da trama, mas a verdade é que Battlestar
Galactica é uma daquelas histórias sobre pessoas. São seus
personagens que a fazem tomar forma. Dito isso, parece contraditório
não falar sobre eles de forma específica e até pensei em diversas
formas de como fazê-lo. Mas acho que vou seguir meu exemplo no texto sobre Lost, pois estes personagens também são do tipo que
você deve conhecer por si mesmo e tirar suas conclusões por conta
própria. E outra que é difícil falar deles sem dar spoilers.
Apenas menciono que o elenco é magnífico na tarefa de dar vida a
eles.
Indo para
um lado mais técnico, é impossível deixar de mencionar os efeitos
visuais e a trilha sonora. É impressionante a qualidade dos efeitos,
ainda mais se levar consideração o fato de ser algo feito para a TV
há mais de dez anos. Chega a ser melhor do que muita coisa que se vê
hoje em dia. Já a trilha sonora composta por Bear McCreary vai além
de qualquer coisa que possa ser expressa em palavras. A mistura de
instrumentos e ritmos (clássicos, étnicos, populares...) é algo
que beira o divino. O som de percussão durante as batalhas faz o
coração acelerar, o tema da Número Seis faz ansiar pelas tensões
que virão e o tema de abertura é quase uma demostração sonora do
que é a série. Sem falar do tema dos Cylons, que dispensa
explicações.
Essa
versão de Battlestar Galactica foi criada por Ronald D. Moore
e produzida por David Eick. Como mencionado anteriormente, começou
com uma minissérie de dois episódios exibidos em 08 e 09 de
Dezembro de 2003. A série em si teve 73 episódios divididos em 4
temporadas exibidos entre 18 de Outubro de 2004 e 20 de Março de
2009. Sendo uma das séries que iniciou a conexão entre TV e
internet, houve três web-séries com os subtítulos The
Resistance, Razor: Flashback e The Face of the Enemy.
Incluem-se ainda dois filmes, Battlestar Galactica: Razor
que serve como premiere da 4ª temporada e Battlestar Galactica:
The Plan para ser visto ao fim da série. Em 2010 o Scy Fy
fez o spin-off Caprica, um prequel mostrando o surgimento dos
Cylons e o início dos conflitos 58 anos antes. Mas não teve uma
aceitação tão boa e foi cancelada ainda na 1ª temporada com
apenas 18 episódios exibidos. E em 2012 tentaram produzir a série
Battlestar Galactica: Blood & Chrome, um prequel
que mostraria o jovem Bill Adama iniciando sua carreira de piloto.
Mas nenhuma emissora quis investir no projeto, de forma que apenas o
piloto foi disponibilizado como uma web-série de 10 episódios e
está disponível no Netflix como uma minissérie de episódio único.
Sei que o
final gerou muita polêmica entre os fãs, como tem sido de praxe nos
últimos anos com grandes séries e seus fins. Particularmente acho
que Battlestar Galactica teve um final condizente com tudo que
foi apresentado. Confesso que alguns personagens não tiveram o
desfecho que eu esperava, mas penso que a visão geral deve
prevalecer. Suas últimas grandes reflexões foram mais que válidas,
e me obrigo a dizer que me fizeram lembrar de Lost por “n”
motivos. Enfim, mais uma série que me marcou, espero poder ver de
novo algumas vezes e recomendo.
So say
we all!
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